NINETIES BERLIN
A década de 1990, na Europa sinónimo de Berlim, foi ali vivida (sorvida) sob o(s) signo(s) da libertação e da experimentação. Uma década única, selvagem, em que os corpos, inocentes, se
permitiam todas as experiências.
Menos muro mais corpo, pedia-se. A queda (do muro) foi mais do que a queda (de um muro), foi a reunião de corpos desejantes (até de si mesmos), escaldantes, fundentes como metal — foi a fundação de um lugar de excepção, a emergência de uma nova Europa. Por isso, Berlim se tornou a cidade símbolo das artes em que o corpo era uma língua franca, uma língua comum — o lugar onde todos poderiam ser heróis somente por um dia (ou uma noite branca).
A Berlim do timbre esférico e da energia inesgotável, das estruturas rítmicas repetitivas, dos rituais tribais, da dança, do êxtase e do transe, da abstração, um lugar em sintonia com algo transcendente.
É para esta Berlim, para esse tempo e esse lugar, que me reenviam as pinturas de Sobral Centeno agora apresentadas. Toda uma história em loop: reminescentes das suas pinturas iniciais, reminescentes do tempo que passou em Berlim, reminescentes do neoexpressionismo alemão, por sua vez reminescente do romantismo e do expressionismo (alemães), por sua vez reminescente do primitivismo, estas pinturas recuperam a intensidade rítmica e a gestualidade selvagem.
Uma figuração em livre associação de ideias — rostos, cruzes, palavras, cor — sobre uma superfície em que o negro se funde com o branco da tela como a noite colava ao dia e por aí em diante, como se o tempo não fosse uma forma de medição, uma burocracia, mas um ritual, uma marcação, uma cadência. São, enfim, pinturas novas e fulgurantes que em boa hora abrem um tempo de revisitação e de redescoberta da extensa obra do artista nascido no Porto.
(Um depoimento de Nuno Faria)