Javier Plácido
What happens in two seconds... |
24 Sep 2022 - 05 Nov 2022

Uma conversa por ouvir


Imaginemos uma casa. Para facilitar, uma casa dos anos vinte ou trinta daquele esplendoroso modernismo belga. Património cultural, portanto. Com esta idade, foi estudada, analisada, comentada e inúmeras vezes fotografada.


Conhecemos o arquiteto, os clientes que a encomendaram, a implantação no terreno, a planta, o modo como as janelas distribuem a luz, os magníficos detalhes nos elementos decorativos (espelhos, maçanetas, vitrais e outros), sabemos até como foi a decoração dos primeiros habitantes, gente de bom gosto com pintura arriscada e aqui e ali algumas peças art déco de inegável gosto.


Classificada, arrumada nas gavetas da história da arte, passou a ser uma entre muitas outras entidades indexais de um momento na história recente da evolução das formas. O que não sabemos é o que está por trás das paredes imaculadamente brancas. Nem quais os sobressaltos na sua construção, as discussões entre arquitetos, empreiteiros e clientes. Nem os risos, as festas, as agruras, os choros e os gritos, os silêncios intermináveis que a preencheram.


Tudo isto a propósito das obras agora apresentadas por Javier Plácido. Ao contrário de parte infelizmente significativa da arte contemporânea, arrumada, classificável, autocomiserativa, amiúde arrogante na sua ignorância, os seus trabalhos são a história não contada das paredes daquela casa (e a arte que se leva demasiado a sério na sua previsibilidade é a casa, claro).

Não é a história que estas obras conformam. São as intra-histórias que verdadeiramente nos deveriam surpreender: os diálogos perdidos, as emoções vividas, os gestos que determinam a personalidade de um tempo vivido mas não dissecado.


A crueza é aqui determinante para uma sensação de eficácia. O modo de articulação entre as partes em cada uma das pinturas releva o experimentalismo primordial que é tessitura concetual assertiva. Materiais pobres ressoam na delicadeza de contrastes cromáticos e sobreposições intrigantes que não deixam de atrair os sentidos.


Javier Plácido sabe que a arte para ele é mais do que eloquência formal ou inteligência iscursiva. Pelo contrário, aquilo que procura é estabelecer um reverso da significação pela sua anulação. E o que se vê é ou não é. Mas sendo, é tão vital quanto as palavras que nunca ouviremos daquela casa.


Miguel von Hafe Pérez



Download Press Release